domingo, 28 de novembro de 2010

Aleatoriamente desconhecidas

Aleatoriamente desconhecidas.
O exercício pedia: “Encontrar aleatoriamente dez palavras que sejam desconhecidas...” Como assim? Que algumas palavras sejam desconhecidas pressupõe outras tantas bem conhecidas. E de que profundidade de conhecimento estaríamos falando? Ontem mesmo passei horas discutindo agastadamente o significado da palavra utopia que supunha ser de uso comum para qualquer um minimamente letrado e pertencente à geração dos “ismos”, comunismo, socialismo, feminismo, estruturalismo,tantos ismos! Vale dizer que eu e meu interlocutor não chegamos a conclusão alguma, ou melhor, chegamos à conclusão que eu conhecia uma utopia e ele outra e, por conseguinte, a minha utopia era desconhecida para ele e vice versa, a dele mais sonhadora, a minha mais impossível. Deixando as utopias de lado e voltando à realidade do exercício, mesmo antes de chegar às palavras desconhecidas tenho que ultrapassar a barreira do aleatório, pois que método seria esse? A falta de um? Meu Houaiss diz que se trata de algo que depende das circunstâncias, do acaso, que é casual, fortuito, contingente. Pois tento ser o mais casual possível e, quase sem respirar, abro assim como quem não quer nada o dicionário para, com olhos fechados, tascar meu dedo em um lugar ao acaso. Até aí acho que me sai bem no respeito às regras do exercício. Mas há que abrir os olhos para ir em frente. Pois quando os abro o exercício desanda como um bolo sem fermento. Eles se recusam a parar em uma só palavra e me pego rastreando a página das IGAs às INGs. Seriam minha curiosidade fortuita e a leitura contingente suficientes para atestar minha honestidade? Cedo sem mais pensar e vou lendo fascinada que ígneo é relativo ao fogo e adjetiva alguém ardente e cheio de entusiasmo, mas seu mais próximo vizinho, um senhor ignavo, apesar de antecedê-lo, ao contrário, carece de energia, é inativo, indolente e sequer aceito pelo meu “Word”  que também o desconhece e insiste em trocá-lo por ignaro, esse sim, um velho conhecido que diz muito sobre como me sinto ao fazer este exercício. Persisto na mesma página com entusiasmo ígneo nos seus riquíssimos derivados e descubro que o homem do circo que engole fogo é um ignívoro, mas oh surpresa das surpresas, ignívomo é alguém que vomita fogo! Que alguém engula fogo va lá. Dolorido, mas aceitável. Agora, vomitar fogo está além dos limites até mesmo dos circos! E há ainda quem solte faíscas ao tocar o solo, o ignípede, e embora se refira mais comumente a cavalos imagino metáforas bem mais interessantes com alguns bípedes humanos que andam botando fogo pelo mundo sem dó nem piedade. Alguns deles certamente adeptos do Ignorantismo, uma doutrina que considera a instrução e a cultura como perniciosas. Imagino tratar-se de doutrina com inúmeros seguidores, os ignorantistas, ainda que o ignorem em prol de um mínimo de coerência. E a página dos IGs ainda reserva deliciosa surpresa ao revelar um sinônimo lindo para igualdade, a igualança. E não é que estas duas palavrinhas assanhadas, talvez por força da proximidade, na intimidade do escurinho de um dicionário raramente usado, copularam e geraram a igualdança, inútil, incestuosa, posto que signifique exatamente o mesmo que pai e mãe, não acrescentando nada ao léxico, exceto sua beleza, o que, convenhamos,  para poetas, escritores e leitores dedicados é mais do que suficiente. Findo o exercício, garanto que não cedi à tentação da trapaça e, se não fui suficientemente aleatória, foi por pura obra do acaso.

Um comentário:

  1. Pelo jeito, vou aprender muitas coisas sendo sua (primeira!!!!) seguidora... Só hoje já foram várias palavras novas, muito bem escritas :)

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